Publicado originalmente no Jornal Extra de Alagoas
Por André Noronha, Advogado do time da CIT Tecnologia.
Certamente todos nós já nos deparamos com a seguinte situação, seja em um momento real de nossas vidas ou na ficção: um advogado talentoso consegue reverter um processo em seu favor ao encontrar uma brecha no contrato, livrando seu cliente de uma condenação certa. Certamente nós não queríamos estar do outro lado, infelizmente isso ocorre diariamente em casos de grandes corporações contra pessoas hipossuficientes na relação, muitas vezes resultando em desfechos injustos.
Isso ocorre porque o contrato em papel é simplesmente uma representação textual de uma obrigação, ele não pode fazer nada por conta própria, fica totalmente sujeito à interpretação e muitas vezes possui ambiguidades, propositais ou não. Essa subjetividade gera a possibilidade de o advogado identificar no mesmo texto múltiplos caminhos para defender seu ponto de vista.
Diferente é um contrato formado a partir de um programa de computador, o chamado smart contract, mais inteligente do que seu ancestral físico, ele tenta exatamente trazer a eliminação das brechas, através da linguagem computacional. O computador não pode ter dúvidas de como executar uma instrução ele tem que executar de forma exata o comando dado pelo programador.
Ao transformar uma cláusula em código de computador eliminamos a ambiguidade presente nesses contratos. Não estamos aqui tratando de decisões robóticas ausentes de humanidade, não há aqui qualquer Inteligência Artificial, o computador não tomou uma decisão por conta própria, pelo contrário ele cumpre uma instrução independente de interpretação e mais do que isso, não fica só na promessa, é possível incluir comandos que executam essas promessas a depender do bem que está sendo negociado.
Nesse ponto, é importante destacar que o contrato inteligente não precisa necessariamente englobar a totalidade das relações contratuais, pois nem todas as obrigações têm características que permitem essa natureza de contrato, no entanto as possibilidades são infinitas, seja em operações financeiras, varejo, seguros e etc. Imagine, por exemplo, um contrato de seguro de passagem aérea que possui um comando autoexecutável que reembolsa o consumidor em caso de atraso ou cancelamento de voo, bastando cadastrar seu voo e sua conta. Pois é, algumas companhias já adotam essa prática.
Outra característica bastante interessante é que o contrato inteligente pode ser utilizado em conjunto com a tecnologia blockchain, que consiste basicamente no armazenamento e registro do contrato entre os computadores/redes das partes interessadas e auditados por eles próprios. A principal característica dessa tecnologia é a garantia de imutabilidade da informação, impedindo que alguém tente fraudar o contrato, e qualquer modificação seja rastreada facilmente. Através da tecnologia blockchain é possível distribuir o poder de gestão daquele contrato, ao invés de haver uma parte mais forte na relação contratual, o contrato pode ser depositado em um ambiente tecnológico que permita que ele não seja alterado, garantindo seus termos independente da vontade de uma das partes.
Fica evidente os benefícios de unir a tecnologia à um instrumento tão burocrático como o contrato, no entanto, o principal desafio para ampliarmos os horizontes é entender o que faz sentido ser transformado em contrato inteligente e aí, em um curto ou médio prazo, caminharmos no sentido de preservar melhor os nossos direitos, eliminar burocracias e gerar um maior nível de confiança, evitando muitos dos atritos que acontecem nas relações contratuais.